top of page
Foto do escritorJaderson Souza

Olá pessoal, tudo bem?


Durante os dias 07, 08 e 09 de dezembro de 2020, realizamos a Primeira Edição da Preta Game Jam!


Jogue aqui todos os protótipos produzidos na Jam!


Sobre a Preta Game Jam


Nesta atividade, propomos a construção de protótipos de videogames e narrativas transmídia a partir de métodos e pensamentos que partam de matrizes afro-brasileiras.


A Preta Game Jam nasce a partir da pesquisa de doutorado em andamento, de Jaderson Souza, intitulada de “ Videogame Ancestral: enfrentamento do epistemicídio negro a partir da criação de jogos digitais afro-brasileiros”. A pesquisa é realizada no programa Diversitas, da Universidade de São Paulo. Já a atividade ocorre em parceria com a G4C América Latina.


Pensemos o seguinte. Em nosso dia-a-dia, somos levados a pensar e agir a partir de correntes de pensamento que partem de algum lugar. No nosso caso, enquanto país colonizado por Portugal, estas matrizes de pensamento partem da Europa.


Isso também vale para os games. A maioria absoluta (senão todos) os jogos digitais que conhecemos através da indústria, partem de formatos e ideias cuja matriz se baseia no pensamento eurocêntrico. Por exemplo, poderíamos falar de mecânicas de jogos, representações de personagens, ou até mesmo de arquétipos narrativos como a jornada do herói.

Partindo da compreensão dos processos de colonização, e principalmente sobre a história das pessoas pretas no Brasil, estes mecanismos acabam provocando o sufocamento de ideias que partem de lugares diferentes deles. Por exemplo, as culturas de matrizes africanas.

Lidando com as possíveis contradições de citarmos um português nesse mesmo texto, o pesquisador Boaventura de Sousa Santos chama este processo de epistemicídio. Ou seja: o apagamento e a destruição de saberes e culturas não assimiladas pela cultura branca e ocidental.

Assim, através de uma ação prática e afirmativa, propomos nesta primeira edição da Preta Game Jam, uma temática especial:

A mitologia Iorubá.


Metodologia


Nesta game jam, uma das principais referências metodológicas vem dos laboratórios de inovação cidadã "Contos de Ifá", de Mãe Beth de Oxum. O trabalho de Mãe Beth é referência fundamental para a pesquisa acadêmica em andamento e também dá embasamento teórico para a Preta Game Jam.


Coordenando o Ponto de Cultura Côco de Umbigada, em Olinda, Pernambuco, Mãe Beth realiza um método de construção de videogames que prioriza a promoção da identidade preta a partir de games roteirizados com mitologias afro-brasileiras.

Apresentação sobre Cosmogonia e Mitologia iorubá, por Zezé Ifatolá Olukemi

Conduzida por Zezé Ifatolá Olukemi, iniciamos a primeira edição da Preta Game Jam com a apresentação de Zezé Ifatolá Olukemi.


Zezé, participante do Terreiro Orúnmìlà ati Obàtálá Adéṣinà Ifakundayọ, desenvolveu uma fala importantíssima para a nossa atividade. Foram abordados aspectos relacionados à visões de mundo Iorubá (cosmogonia), e também as características principais dos Orixás.


Indo além da temática da Jam, a fundamental fala de Zezé abriu um processo metodológico que permitiu, desde seu início, seguirmos por um percurso afrocentrado.


Após a abertura, passamos para a fase de formação de grupos!


Em uma breve interlocução, Tainá procurou conhecer melhor xs participantes. E nossa, como tivemos pessoas tão diferentes umas das outras! Se liga nos perfis:


- Matemáticxs

- Historiadorxs

- Pesquisadorxs

- Músicxs

- Estudantes do ensino médio

- Gente com 15 anos de idade

- Gente com 54 anos de idade

- Galera do Rio de Janeiro, Maranhão, São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia ...

Nas palavras de Zezé, todo mundo esteve unido por apenas um nome:


África.

Ao final de um ano marcado pela pandemia mundial de Covid-19, o meio digital permitiu com que nos encontrássemos. Pessoas maravilhosas, que através de diferentes experiências, puderam dividir um espaço-tempo de 48 horas de muita sorte. Falar de sorte neste ano é algo bastante contraditório e perigoso, mas até vale arriscar.


Nas palavras de Rogério Lourenço, participante da Jam, temos uma cultura gregária, ou seja: uma cultura que agrega. Ao invés de termos estrelas, temos conjunto. Ao invés de competir, preferimos compartilhar. E talvez, mais do que nunca, precisemos uns dos outrxs.

Resultado


Sem dúvidas, o caminho é a verdadeira recompensa. Mais do que ficarmos dizendo frases prontas, de fato a experiência fora fundamental.


Como produzir games também é algo bem divertido, eis aqui o resultado mensurável da Primeira Edição da Preta Game Jam.


Você pode jogar todos os protótipos produzidos nesta edição, além de deixar um salve para todxs participantes.



213 visualizações0 comentário
Foto do escritorJaderson Souza

Por Jaderson Souza


Todas as quintas-feiras, acordo por volta das 10 horas e vou ao supermercado. Pego duas ou três sacolas, boto no carro e vou às compras.


Escolho pelo supermercado mais em conta. As coisas estão ficando muito caras, então também opto por ir aos "atacarejos".


De manhã, sou bastante desligado. Meu cérebro leva algumas horas pra acordar de fato. Chegando ao mercado, percebo que esqueci a carteira. Puta merda. Ainda bem que ele fica há 2 ou 3 quilômetros de casa. Fiquei bravo, claro, pois ninguém gosta de perder tempo. Volto pra casa, pego a carteira e sigo rumo à missão da semana.


No caminho, fiquei pensando que as coisas acontecem porquê elas precisam acontecer. E que eu não deveria ficar tão bravo por algo tão simples.


Cheguei ao estacionamento acelerado. Sem prestar muita atenção, amassei a frente do carro ao bater num daqueles carrinhos jogados no estacionamento. Que saco. Na tentativa de recuperar os 15 minutos perdidos, acabei acelerando demais e não prestando atenção nos benditos carrinhos. Fazer o quê.


Nos corredores do supermercado, sou bastante prático. Pego rapidinho as mesmas coisas de sempre. Não saio andando por todos os lugares com o carrinho. Estaciono ele nas esquinas, bem no cantinho pra não atrapalhar ninguém. Como uma espécie de sonda espacial, desacoplo meu corpo do recipiente de comidas e vou buscar o que preciso das gôndolas.


Créditos: Mídia Ninja


De vez em quando, até me arrumo um pouquinho melhor. Em épocas de pandemia, ir ao supermercado se torna um passeio. É legal, pois algumas gurias até dão uma olhadinha. Assim, bem de lado. Nada muito indiscreto.


Acontece que, na maioria da vezes, não é assim. Coloco uma camiseta de casa, um short velho e um tênis. Máscara também, claro. Meus cabelos crespos, que estou deixando crescer pela primeira vez na vida, nem ligo de passar o pente.


Eis a fórmula perfeita pra chamar a atenção. Não das mulheres, mas dos seguranças.


Entro na fila do caixa. Uma segurança, que estava passando, me acha interessante. Ela para há 3 metros de mim. Cruza os braços. Espera a minha vez chegar. Super gentil. Enquanto coloco tudo na esteira, ela olha atentamente para minha apurada técnica de "tira e põe": tira do carrinho, põe na esteira. De fato, tem gente que realmente sabe apreciar a boa arte.


Tira a cerveja. Põe o iogurte. Tira o chocolate. Põe o pão-de-queijo. Quantas coisas gostosas! O suspense só aumenta. Será que o preto conseguirá pagar essas compras?


Ops! Ainda tenho as sacolas. Melhor abri-las, uma à uma, e dar uma chacoalhada. A audiência agradece, pois agora tem certeza de que não esqueci, assim por engano, uma ou duas lâmina de barbear de 15 conto lá dentro.


Quanta pressão. Assim, eu não consigo respirar.


Ao final da cena, resolvo quebrar a quarta parede. Olho pra ela, mas ela finge que não me vê. Nosso amor não é recíproco. Compras registradas, cartão na máquina. Finalmente, o terceiro ato está consumado. Satisfeita, a plateia vai embora. Como uma estrela de um musical, pego agora as "minhas" compras, e também saio de cena.


Sabe, ir ao supermercado às vezes se torna um ato performático. Melhor ainda é quando o jogo acaba bem. Sem revistas. Sem pedir pra ver a tua nota fiscal na saída. Sem agressões ou sufocamentos.


Infelizmente, nem sempre acaba.


Texto em memória de João Alberto Silveira Freitas, assassinado na véspera do Dia da Consciência Negra, em 2020.

214 visualizações0 comentário
Foto do escritorJaderson Souza

Atualizado: 16 de nov. de 2020


A partir de novembro, o Sesc São Paulo inicia o projeto “Lugar de Jogo” que reúne as interfaces dos videogames, das artes e da cultura pelo viés da pluralidade de narrativas desenvolvidas sob o olhar da diversidade. Com curadoria de Tainá Felix e Jaderson Souza, da Game Arte, a programação conta com um ciclo de debates pelo Centro de Pesquisa e Formação, entre os dias 17 de novembro e 1º de dezembro, e conteúdos disponíveis nas plataformas do Sesc Digital, com jogos para download, sob produção do Sesc Avenida Paulista. Todas as atividades são gratuitas e em ambiente virtual.


Mensalmente, quatro jogos estarão disponíveis para download gratuitamente através da plataforma Sesc Digital.


Acesse aqui o release.

Acesse aqui o texto editorial formato Pdf.


Editorial


Por Jaderson Souza e Tainá Felix

Compreendendo o jogo como um suporte de transmissão de cultura, tal como o fazem o livro, o álbum musical ou o espetáculo de teatro, apresentamos a curadoria Lugar de Jogo, da plataforma Sesc Digital.


Trata-se de uma oportunidade ímpar, que abre precedentes para novos meios não hegemônicos de circulação de cultura através dos videogames enquanto dimensão sociológica.

Durante o passar dos anos, pudemos observar uma grande ruptura entre conhecimentos considerados acadêmicos e saberes oriundos da experiência estética. Se, por um lado, o conhecimento acadêmico deixa de validar a oralidade por ausência de método, o senso comum se afasta cada vez mais da academia por conta de elitismos e do distanciamento entre linguagens.

Entretanto, ao edificarmos um percurso interdisciplinar que busca a compreensão de fenômenos a partir de pontos de vista diversos - academia e oralidade -, passamos a enxergar potências que podem ser apreendidas a partir de ambas as linguagens.

É assim que viemos parar aqui. Por um lado, acreditamos na ciência como um dos alicerces essenciais para compreendermos o mundo. Por outro, a experiência estética nos permite abarcar a grande complexidade que o mundo nos apresenta. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam.



Desde sua concepção, os jogos digitais podem ser tomados enquanto objetos capazes de transmitir cultura. Por exemplo, conhecidas franquias de jogos digitais apresentam universos de mitologia, ficção, ou até mesmo tarefas do dia-a-dia reescrita através de mecânicas de jogo.


Compreendem-se os jogos digitais como espaço potente de produção de conhecimentos. Saberes não somente factuais, mas saberes vivos. Experiência estética, capaz de tocar as pessoas, provocar sensações, suscitar pensamentos.


Após mais de uma década realizando atividades culturais e pesquisas acadêmicas, é desta forma que continuamos a enxergar os jogos digitais: como potência. Potência para se contar histórias, construir experiências, documentar a cultura, fomentar práticas, expressar-se.

Não é novidade que grandes videogames conseguem reproduzir e ratificar costumes vindos de diversos lugares do mundo. Além de orçamentos milionários, há todo um ecossistema que fomenta o consumo e a produção de jogos digitais.


Contudo, não podemos generalizar este cenário. Neste momento, mais do que reafirmar a cultura dos jogos enquanto fenômeno potente, surge um novo questionamento:

De quem é o Lugar de Jogo?



Apesar de vivermos em tempos de abundantes tecnologias digitais, o poder da retórica ainda permanece como um grande privilégio epistêmico. Trata-se da capacidade e oportunidade de contarmos as nossas histórias a partir de nossos próprios pontos de vista. Trata-se de quem pode ser escutado.


Para se ter uma ideia, no segundo censo da indústria brasileira de jogos digitais, de 2018, apenas 10% dos desenvolvedores se declaram como negros ou afroamericanos, e 0,9% indígenas. Tendo os menores escores, a população transgênero declarada no censo aponta apenas para 0,4% dos participantes.

Lugar de Jogo está intimamente ligado ao privilégio epistêmico. Assim como qualquer linguagem, a produção de um game requer uma série de aprendizados teóricos, técnicos e práticos. Solicita empenho e bastante dedicação, fator nem sempre possível diante de contextos sociais vividos pela maioria da população brasileira.


Ao mesmo tempo em que se constatam tais fatos, o fomento e construção de novos caminhos é fundamental para que mais pessoas possam contar suas próprias histórias.

Há de se tomar certos cuidados. Não se trata da construção de mais espaços a partir das mesmas lógicas de mercado, ou seja: consumir cada vez mais, hierarquizar através da competição acirrada, homogeneizar a produção com base na lógica eurocêntrica. Ao contrário. Estas possibilidades, quando pensadas a partir das chamadas epistemologias do Sul Global, podem abrir novos espaços de escuta em nossa sociedade.



Lugar de Jogo não hierarquiza as obras. Todos os jogos que fazem parte desta curadoria são apresentados da mesma maneira e possuem as mesmas possibilidades de exposição. A parceria com coletivos e estúdios se dá através das mesmas condições para todos os participantes.


Isto não significa a presença de uma unidade em comum às obras. Ao contrário. Levando-se em conta as peculiaridades de cada grupo desenvolvedor, suas potências e dificuldades são parte fundamental da exposição. Ao mesmo tempo, Lugar de Jogo busca construir um espaço pautado na diversidade cultural dos grupos e também do conteúdo das obras.

Buscando questionar as condições nas quais os jogos são construídos, a curadoria observa as condições de trabalho realizadas pelos grupos. Cada grupo traz circunstâncias de desenvolvimento e circulação diferentes. Tais condições podem reverberar nas obras, trazendo formas de expressão que são como são.


Em outras palavras, nem sempre um conteúdo gráfico ou de jogabilidade irá se assemelhar com o que já estamos acostumados a ver nas lojas virtuais de jogos. Ao expor trabalhos que demonstram um estado técnico diferente do “esperado”, propomos à você, jogadora, jogador e jogadore, que pense sobre as pessoas que constroem os videogames e sobre a forma com que enxergamos conteúdos culturais.


Florescer, jogo desenvolvido pelo coletivo PugCorn (São Paulo)


Usar ao invés de consumir. Nas palavras de Hannah Arendt, buscamos trazer em Lugar de Jogo um questionamento ao modo com que acessamos o conteúdo dos jogos. A grande abundância trazida pela replicabilidade no meio digital faz com que os games se tornem objetos de consumo. Indagando a cultura de massa, que cada vez mais induz a compra acelerada, sugerimos que os jogos desta mostra sejam jogados em todos os seus detalhes.


Lugar de Jogo implica descentralização. A pesquisa foi realizada através de plataformas digitais já conhecidas, e também contou com fontes que trouxeram jogos não publicados nestas plataformas. Durante o processo, tivemos contato com coletivos de diversos lugares do país, buscando desenvolvedores e descobrindo pólos de desenvolvimento muito interessantes.

Lugar de Jogo é lugar de fala. A fim de potencializarmos a experiência, não poderíamos esquecer de um ponto fundamental: a mediação. Diante de uma curadoria 100% digital, o desafio fica por conta da abertura de um espaço de diálogo entre as pessoas. Tendo como principal experiência a circulação presencial pelas comunidades, buscamos construir a possibilidade de diálogo através dos textos e imagens que compõem todos os materiais. Cientes das limitações e potências do meio, incentivamos você à jogar, compartilhar ideias e conversar sobre sua experiência com outras pessoas.


Por todos estes pontos, compreendemos esta curadoria como uma oportunidade ímpar. Trata-se de uma oportunidade que busca somar junto à tantas outras iniciativas não hegemônicas já existentes. Ações que há muito tempo buscam compreender a cena brasileira como um espaço mais plural, pautado em cooperação, inclusão e diversidade.

Bem vinda, bem vindo e bem vinde ao Lugar de Jogo!

Jaderson Souza e Tainá Felix

Game e Arte


394 visualizações0 comentário
bottom of page